terça-feira, 30 de abril de 2013

Voltando ao Bar

Devo não nego, pago quando puder. Estou atrasado, e a Ann Carnivalli já me cobrou isso algumas vezes, então prometo, aliás, JURO que vou tentar manter uma rotina mais frequente... Conseguir pensar no que escrever ajuda muito. Acredito que se tentarem comentar mais vezes eu posso tentar postar com mais frequência e vir aqui com certeza trazer algo de novo e divertido para vocês. É uma questão de ter respostas, sabe? Até lá, vou jogando meus contos e, pra variar, voltarei ao universo vampiresco que ficou comum aqui, dessa vez com um conto meio recente e interessante que encontrei perdido nos meus arquivos... Rotina de Risco pra vocês. That's All, folks!

PS: SIM, eu voltei a um bar... Sei lá, é um lugar confortável para meus personagens e minhas histórias. Aproveitem e leiam bebendo!

Procurando no DA, encontrei esta imagem PERFEITA pra representar meus bares, vindo deste perfil aqui.

Rotina de Risco


Só aprendi duas coisas de verdade depois que fui transformado. Uma é que não é muito seguro você ficar muito tempo sem se alimentar e a outra é que, se em uma caçada você cruzar com um lupino, provavelmente não caçará novamente. Em três anos nunca cruzei com um deles pra tirar a prova, mas as enormes cicatrizes do irmão de minha mentora sempre me disseram que não era realmente uma boa ideia. Assim, não tinha como saber que os lupinos poderiam não só parecer gente, como serem ruivas, gostosas e extremamente sensuais. E pior, boas de cama.
A gente se encontrou num bar, eu com um pouco de fome e ela louca pra transar naquela lua cheia. Trocamos algumas palavras, tomamos uns drinks, quero dizer, ELA tomou, e então saímos pra noite, pra ir pra algum lugar mais aconchegante. Descobri depois que os perfumes que uso impediram que ela percebesse meu cheiro de morto, e o fato do decote dela mal esconder o umbigo me distraiu do fato de ela estar a quase 40º no meio do outono. Quando descobrimos a real natureza um do outro já era tarde demais.
Se nos atacamos? É óbvio que sim! Ela havia acabado de meter as patas no meu peito e sentir que era gelado e eu tinha começado a despi-la e vi a tatuagem, então estávamos perto demais pra fingir que não poderíamos um acabar com o outro! O clima ficou pesado e eu pedi a Deus que me devolvesse a capacidade de beber e ficar bêbado. Trocaria tranquilamente uma ressaca por aquela sensação. Só que, quando finalmente nos engalfinhamos, digamos que nossos ataques não eram exatamente mortais... Nem seriam considerados ataques em algumas culturas... Ok, eles poderiam estar nas páginas do Kama Sutra.
O remorso bateu em seguida, quando já não havia mais como voltar atrás. Estávamos nus, sedentos por mais uma foda, e completamente encharcados no suor dela. Eu não conseguia olhá-la com medo de que de repente batesse a louca e ela resolvesse me estripar. Só sentia sua respiração ofegante, que fazia seus seios subirem e descerem, subirem e descerem, subirem e descerem... Sabem aquelas mulheres que você tem que se concentrar pra olhar nos olhos? Pois é...
E mesmo assim, com a culpa me corroendo mais do que água benta, e sentindo que minha mestra iria arrancar meu couro e me surrar com ele depois, eu ainda queria mais, muito mais. Nunca antes, quando seduzi mortais para me alimentar, eu sentira tamanho desejo, tanto tesão, e agora eu só queria descobrir se a posição de cachorrinho com uma loba seria a melhor que existe.
Exercendo um autocontrole fenomenal e acabando com minha força de vontade, abandonei qualquer emoção e fugi rapidamente pela porta, deixando-a aberta. Eu tinha a vantagem da arrancada de zero a cem, então aproveitei disso para só parar quando tivesse certeza de que ela não poderia, nem rastreando, me seguir. Esqueci ligeiramente que não respirava e fiquei sem fôlego, batendo com os punhos nas paredes. Um pobre coitado que estava tirando água do joelho me viu, gritou que eu tava peladão e virou minha vítima, para recompor as forças. Quem manda ser tão mal-educado.
Depois disso eu ganhei uma nova rotina: Evitar aquele bar enquanto tentava ao mesmo tempo a sorte em outros, sempre na esperança que ela fizesse o mesmo. Por duas semanas tive infrutíferos encontros com diversas garotas de todos os tipos possíveis. Alguns de nós só procuram um tipo de mulher, mas eu não sou fresco e traço todas elas. Só que havia uma vontade louca em mim de esbarrar nela de novo, mesmo que isso pudesse significar meu extermínio. Meus colegas da noite estranharam meu comportamento meio paranoico e alguns chegaram a dizer que eu havia caído na loucura dos anciões cedo demais.
Janice, minha mestra, passou a me encarar com desconfiança e cada vez mais eu tinha medo de que ela usasse seus poderes para abrir minha mente e descobrisse a minha mancada. Eu poderia ser deixado na rua pra tomar um banho de sol se isso acontecesse e dada a experiência anterior com outro colega meu, que ficou bem bronzeado, eu achava que não era uma boa.
Quando enfim alcancei o ápice da loucura, a ponto de caçar mesmo quando não tinha mais fome, eu tive o azar de acha-la em um bar qualquer. Ela estava muito mais comportada... E acompanhada de dois afrodescendentes de dois metros de altura que eu sabia de longe serem também lobisomens. Eu fiquei uns quinze minutos pensando em quão grandes eles poderiam ficar na sua forma bestial e quão rápido eu podia correr, e foi tempo suficiente para um dos dois detectar meu cheiro. Com tanta preocupação em encontra-la, acabei esquecendo de renovar meu perfume e o fedor de carcaça deve ter chego às narinas aguçadas deles.
Um virou para o outro, chamou a atenção e de repente eu me senti um completo idiota por estar sozinho no mesmo lugar que três lobos, sendo que dois deles eram grandes o suficiente para eu, no alto dos meus 1,70m, ser considerado anão. Agora eu não teria a vantagem de correr muito e certamente estaria na sarjeta antes do sol nascer, o que me pouparia de morrer queimado. Se existe algum deus pros vampiros, como Caim, Vlad Tepes ou o que for, eu rezei pra ele naquele instante.
Eles me encurralaram na saída do bar e me arrastaram pra fora. Quem nos viu achou que eu fosse ser currado por aqueles dois gigantes e eu achei que seria um destino mais digno ser espancado, o que prontamente me dispunha a, desde que ficasse perto dela. Achei justo que ela se mantivesse quieta, só acompanhando, e achei seriamente que ela ficaria ali curtindo enquanto os dois amigos dela acabam comigo. Só quando chegamos ao beco e eles se prepararam pra me bater que notei que eles esperavam uma ordem dela. E que ela não deu.
Ela só ficou ali, me olhando, me analisando de cima a baixo. Algo em seu olhar me dizia que ela poderia me devorar tanto metafórica quanto literalmente e que seu instinto estava brigando com outra coisa dentro dela pra decidir qual dos dois seguir. Ela batia os dedos nos cotovelos e os dois amiguinhos dela pareciam ficar mais e mais impacientes. Se ela demorasse demais eu poderia ser destroçado com ou sem ordem. Ela então suspirou e fez um sinal meio estranho, que fez com que os dois ficassem indignados.
- Essa presa é minha, rapazes, podem deixar comigo.
Um olhou pro outro e berraram alguma coisa em outra língua, mas ela simplesmente lançou um olhar feio e eles voltaram pra dentro com o rabinho entre as pernas. Ela então veio na minha direção e eu ainda não sabia se podia relaxar quando ela desferiu um soco no meu estômago. Vai por mim, se eu ainda comesse teria devolvido toda a minha janta.
- E isso é pra você aprender a não me deixar sozinha, seu imbecil.
Ela me puxou pra cima e me agarrou ali mesmo, sem se preocupar se eles poderiam voltar. Eu fiquei tão confuso que demorei cinco segundos pra reagir, mas até aí ela já tinha arrancado minha jaqueta. Eu a segurei pela cintura e usando um truque que me custaria caro depois, nos lancei pra cima, pousando no teto da boate. Deitei com ela e transamos loucamente, só parando quando ouvíamos os fregueses indo embora e sabíamos que logo os dois brutamontes iam procurar por ela.
- Vamos ficar nessa de nos caçar? – perguntei e fiquei feliz em ver que ela riu.
- Sem problemas, sanguessuga. Eu tenho muito tempo livre.
- Vamos acabar mortos, isso sim.
- E você tem medo de verdade disso?
Olhei pra ela, pro corpo dela, e o calor que senti, que devo dizer, minha anatomia vampírica não devia deixar que eu sentisse, me fez mudar de ideia. Valia a pena arriscar.
- Duas semanas, aquele bar perto do cais.
- Sozinho, vista algo fácil de arrancar.
- Estarei lá.
E saltei pra noite, pensando em como tudo poderia me arranjar encrenca. Eu poderia acabar morto, eu poderia simplesmente ser desintegrado por um mais antigo que achasse aquilo uma blasfêmia. Ah, tanto faz, desde que eu continuasse me divertindo. Afinal, foi pra me divertir que fiquei assim. Terceira coisa que aprendi de verdade depois da transformação: A não-vida só vale a pena mesmo quando você coloca sua imortalidade na faca. O resto é apenas vida.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

A Rotina das Ideias Desperdiçadas Reutilizadas

Nem sempre o que escrevo se inspira em algum pensamento aleatório, ás vezes simplesmente capto a ideia de alguém e após um "Posso usar isso, por favor?" tenho em mãos o material necessário para conseguir trazer à tona um texto novo, uma história, curta ou longa, que não fui eu quem deu a vida, mas quem ensinou como ler e escrever e lancei ao mundo. O conto de hoje é um desses, uma historieta tirada de uma ideia da Ann que ela me mostrou certa vez, e que espero que ela também revele a vocês algum dia, sobre escolhas, sobre a prisão que elas são e sobre voltar a uma rotina que, alguma hora, vai se quebrar. Acompanhem a saga de um apaixonado diante de um perigo que ele não sabe, mas cresce do alvo de sua paixão.

A foto também é da Ann, do deviantart dela, que eu acho que é a locação perfeita pra este e outros contos de bar.




Maldição

Hoje é terça-feira, meu dia de perdição. Sei o que faço, sei o que fiz, e sei que farei de novo. Mesmo que me consuma, mesmo que apodreça ou vire pó, não consigo me desfazer... Do cheiro, do gosto, da visão, de sensação nenhuma. Estou viciado, aprisionado pela minha sede, pelo meu ardor, uma maldição tão ou pior que a que me faz acordar somente à noite, todas as noites, quase seco, quase morto. Mas nunca morto realmente. Ás vezes queria ser morto, para não ser apunhalado pela minha vontade. É sempre às terças.
Eu a vejo sair, de vestido vermelho, azul, violeta ou carmesim. Ela já escolheu um branco, certa vez. Eu o rasguei e ela acredita até hoje que foi por conta da bebedeira. Por pouco ela não voltou mais àquele bar. Mas eu não podia deixar, não o nosso santuário, nosso local abençoado. Terças, às dez. Ela não lembra, claro, não teria como. Eu precisei de muito empenho para colocá-la na rotina. Na primeira vez que ela esteve lá eu ainda não a conhecia. Fora com amigas, e pude apenas aproveitar o esplendor de sua presença enquanto encantava um lanchinho. Nas terças seguintes eu me aproximei, aos poucos, como manda o manual. Após quatro ou cinco drinques, a arrastei para sua casa. Foi fácil de identificar, o rastro era tão forte que nem precisei de telepatia.
Preparei para me despedir dela naquele momento, não fosse a paixão em seu olhar. Eu queria apenas seu sangue, mas tive seu corpo. Arranquei dele o vestido azul-marinho, que ela jogou fora depois, e parei alguns segundos para admirar sua pele alva em contraste com a lingerie escura, que de pronto também tirei. Mesmo embriagada ela tomou o controle da situação e inverteu nossas posições, me deixando sentado na ponta da cama. Com mãos pequenas e ágeis me desfez da camisa preta que havia escolhido somente para ela. Mais rápida, me tirou a calça e a cueca, me deixando nu, não fossem as meias, que eu mesmo joguei longe. A boca abriu um caminho do meu pescoço, ó inglório alvo, até as regiões baixas. Pela primeira vez em anos, eu suspirei.
Ela nunca reclamou do gelo da minha pele, pouco mais pálida que a dela, ou dos meus hábitos engraçados na cama. Evitei ao máximo usar de força, sabendo que não teria como sumir com as marcas, mas... Quer saber, foda-se, eu vou aproveitar e dar a nós dois o prazer merecido. E essa foi só a largada. Como relógio, toda terça eu aparecia no bar, trocando de roupa, estilo e até mesmo cantada, deixando-a extasiada com papo sobre assuntos do seu trabalho ou o filme da semana. Depois de um tempo ficou fácil, óbvio, eu já sabia o que ela falaria. E ao final, com os olhos profundos da minha espécie, eu ordenava que ela esquecesse.
Um dia disse a mim: Quando quiser eu paro. Não a mato porque não quero. Não é que eu não queria me livrar dela, é só porque está bom assim. Tudo mentira. Eu me apaixonei por essa mulher. É só dela que o sangue vem gostoso, é o corpo dela que me impede de esquecer o que é ser mortal. Eu, que já bebi de tantas e até de uns, não consigo deixar de beber dela. Posso estar cheio de saidinhas no domingo ou sábado, mas não ligo, eu não deixo de ir ao bar nas terças. Só que aconteceu um negócio engraçado na terça passada. Eu posso jurar que ela já esperava por mim. Impossível, claro, ela não saberia. Eu fiz questão de ser o mais discreto, todas as vezes. Dominei garçons, evitei dias que ela foi acompanhada, até dei sumiço em alguns caras que tentaram ficar no caminho, o que me impediu de beber a dose semanal um bocado de tempo.
Mesmo assim, naquela semana ela não pediu a bebida até que eu entrei, meia hora depois, como estipulei. E também não pareceu espantada que eu soubesse de sua coluna no jornal. Ignorei tudo, desde que pudesse sair de sua cama logo antes do amanhecer. Como ela nunca estranhou que tivesse amantes que fugiam assim, não sei... E lá vem ela... Entrará no bar em segundos. Adorei a escolha das vestes. É aquele vestido preto que é tão fácil de tirar. Espere... Ela me encarou aqui em cima, no parapeito? Não pode ser... Não, ela só olhou para a lua. É, é isso... Maldição, é terça-feira e estou aqui de novo. Até quando, até quando iremos aguentar?

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Mulheres Fatais

Noir, uma noite sombria, um crime sem álibis, uma mulher fatal, um detetive tolamente atraído por ela... É um dos climas mais estilosos que existem por aí, que envolve geralmente casos policiais sem grandes mistérios, a não ser as reais identidades de seus personagens. Maioria das vezes eles se escondem em várias camadas, mas quase inevitavelmente aquela mulher voluptuosa de curvas sinuosas é sim uma mulher fatal, que vai tirar tudo que puder do detetive... Até seu sangue... Este conto escrevi pra compôr meu projeto (em parceria com a Ann): Lua Macabra. Uma série de contos, curtos ou longos, com mulheres desse naipe, com lingerie e com muito sobrenatural. Espero que apreciem o aperitivo!

Novamente uma imagem que não é minha, mas representa muito bem! Esta é a Lady Lestat!




Femme Fatale

A cena de crime perfeito: O corpo, deitado sobre a cama bagunçada, completamente inteiro, os olhos abertos e uma taça de vinho na mão. A janela e a porta trancadas. Nada mais fora do lugar. Na recepção, os atendentes juraram, só havia entrado o falecido. Infarto fulminante. Mas nenhuma gota de sangue no corpo.
Completamente absorto, o detetive James Wayne procurava por indícios de arrombamento ou do uso de ferramentas para drenar o morto. Nada, nem uma gota de sangue nos lençóis. Pegou mais uma vez o bloquinho de notas e rabiscou algumas informações. Grunhiu e pediu a um dos oficiais que lhe trouxesse um café. Preto, com muito açúcar. Dane-se a dieta, pensou, e então chamou o legista, que veio com uma cara de desespero. Trinta anos de profissão. Nada igual. Perderia o emprego.
- Diga-me, como é possível?
- Não sei, Jim, eu estou alucinado. Verifiquei o corpo três vezes já. Nem um furo, nem um corte. Parece que ele simplesmente não tinha sangue. Está pálido como se estivesse morto há anos. Nem sei se posso chamar isso de assassinato.
Mas foi, o detetive tinha certeza. Colocou o lápis na boca e saiu, resmungando que não queria ser seguido. Encontrou o policial do lado de fora, o café na mão. Chegou à recepção e pediu aquelas fitas para ver em reservado. Deram-lhe uma das salas de conferência. Enquanto tomava seu café, via mais uma vez o homem, um desses novos ricos da faixa dos quarenta, entrar alegre no hotel e passar reto pela recepção. Não tinha devolvido o cartão, então não precisaria pegar de volta. No elevador, ele parecia gargalhar e falar com alguém, mas estava sozinho. Logo ao entrar no quarto colocou o aviso de Não Perturbe. Estava, claramente, bêbado. Fora filmado falando várias vezes sozinho.
James soltou o copo do café, de repente percebendo um pequeno detalhe na tela. Em dado momento, uma das folhagens mexeu-se sem ninguém tocar nela. Correu para fora e tomou o elevador. Chegando ao andar do assassinato parou para observar as extremidades do corredor. Nenhuma janela. Completamente isolado. Então... O que mexeu a folhagem? Procurou o bloco de notas e nele o que tinha dito o assistente do falecido: O patrão tinha poucas reuniões de negócios no dia, e apenas uma festa à noite. Festa fechada. Entrou e saiu sozinho. Isso fora às 22h. Ele voltou ao hotel às 24h. Onde esteve enquanto isso? Pegou a dica com uma das camareiras. Disse que o homem havia perguntado de bares na região e um dos mensageiros sugeriu o do Ritz, próximo. Ela reprovara, mas e daí? Era apenas uma empregada e se ouviam ou não, não importava. Ele pegou a viatura e partiu para o Ritz, com uma foto do morto em punho.
Perguntou a muita gente, a maioria estava ali pela primeira vez. Não era um bar muito frequentado por repetentes. Iam apenas aqueles que estavam no hotel ou não tinham opção melhor. Realmente, a camareira estava certa. O barman reconheceu, ele havia pedido duas doses de uísque e então mais duas para ele e uma moça que o encontrara. Conversaram por uns dez minutos e saíram, rindo. Quando pediu as filmagens da noite, um susto. O defunto estava lá, rindo abobalhado, mas em momento algum a moça apareceu. Ao fim, ele saía sozinho, parecendo um rei recém-coroado. Pediu uma descrição ao barman, que não soube dizer nada com precisão. Tinha traços diferentes e uma pele pálida. Olhos grandes, os cabelos louros presos de forma estranha. Achava que vestia azul, mas podia ser roxo ou verde. Nenhuma certeza. Frustrado, o detetive deixou o bar.
Distraído, caminhou devagar pela rua, até chegar à enorme porta do hotel. Quase foi atropelado por uma comitiva de seguranças, que resguardavam algum homem importante. Viu que era um ricaço, desses com alguns anos de carreira, tanto nas ações quanto nas infrações, e que estava acompanhado de uma belíssima loura, em um vestido azul-marinho. Os cabelos dela se erguiam em um coque muito antiquado para alguém tão jovem. Ela sorria abertamente e falava coisas que faziam o ricaço, pelo menos duas vezes a idade dela, gargalhar. A coincidência deixou o detetive preso ao chão, acompanhando com o olhar os dois entrarem em uma limusine, o velhote primeiro. Logo antes de entrar a loura virou-se para ele, sorrindo de forma assustadora. Ele pode jurar que tinham dentes pontiagudos naquele sorriso. Eles partiram e o detetive também.
Naquela noite, dando o caso como perdido, James tomava conhaque em casa, completamente desesperado. Sabia que ririam dele. Nem ao menos sabia quem era a loura. Ainda assim, queria ter algo para dizer aos chefes, não simplesmente fechar o caso daquele jeito. Uma ventania repentina invadiu sua sala e virou-se para a janela, que jurava ter trancado. Parada, encostada de forma displicente no espaço que dava para a rua, a loura o encarava, da mesma forma que antes. Parecia extremamente atraente, vestida apenas com a lingerie bordô, quase cor de sangue. Wayne engoliu em seco, consternado. Sentia o perigo subir pela espinha e descer, fazendo das pernas gelatina. Ela se jogou para a frente, caminhando para ele como uma felina, uma leoa prestes a fazer seu jantar. A cada passo, uma das peças caía. Primeiro o sutiã, depois a cinta-liga, as meias e enfim a calcinha pequena, praticamente sumindo na bagunça da sala. Ela tocou-lhe o peito e abriu a camisa, acarinhando o peito peludo do homem na casa dos trinta. Ele ficou completamente sem ar.
- Não fique assim, Jim. Eu só vim lhe fazer um agrado, já que lhe dei tanta dor de cabeça.
E ela fez mesmo. Sem qualquer controle sobre suas ações, a mulher lhe deitou no chão e cavalgou sobre ele, provocando-o a dominá-la, coisa que nunca conseguiu. Enfim, exausto e morto de medo, o detetive tomou coragem para procurar a arma, mas ela o empurrou com o pé, com uma facilidade sobrenatural, e ele foi lançado para o outro lado da sala. Atordoado, o homem só fez arfar, e ela riu.
- Ah, mas não vamos estragar nossa brincadeira já, não é, detetive Wayne? Eu estou à solta. Agora... Cace-me.
E dizendo isso ela correu para a janela e saltou, sumindo no céu noturno. Pasmo, James pegou-se pensando não no que acontecera, mas em como encontraria aquela mulher, linda, sedutora, fatal, e suas lindas presas afiadas. Tocou o pescoço e não se espantou de encontrar uma pequenina ferida dupla. Dois buraquinhos, de onde ela sugara seu sangue. A caçada apenas começara.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Tortura das Cores

Já teve um sonho lívido, uma constante em teus pensamentos que fica ali, te angustiando, e você se vê preso a um pesadelo repetitivo, que não é ruim, nem bom, mas sempre te deixa mal? Eu já, e muitas vezes. Não são exatamente fáceis de compreender, se é que eu compreendo e muitas outras vezes eu nem ao menos SEI o que estou sonhando, ainda que esteja, claramente, vendo algo. Eu sonho com pessoas que nunca vi, com lugares que nunca fui, com coisas que não conheço, e também com cores. Não cores como as deixadas por um lápis ou em uma pintura, mas cores VIVAS, que dançam, que cantam e que deixam marcas em minhas memórias... E ás vezes, elas me torturam.

Uma representação visual dos sentimentos dessa vez... Feita por CatherineNodet, com base NESTA foto.

Vermelho me consome
Seu fogo arde em minhas veias
Sua paixão arrebata meu peito
Sou crucificado por um sentimento
Algo que não posso guardar
Não sou perfeito
No negro me afundo
Perfume eterno inebria
Minha mente não aguenta
Braços frágeis não me acalentam
Caio no vazio
Que não me ama
No branco não paro de pensar
Do alvo ao claro, rosa fugaz
Minha vida foge
Minha respiração falha
Meus sonhos viram pesadelos
E minha sorte acaba
Tremo incessante
E num rompante
Me perco enfim

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Hector...


Novamente com um conto trazido do Nyah, dessa vez uma das poucas vezes que escrevi no passado só porque queria colocar uma cena em um conto, uma pequena conversa entre dois personagens. Não é meu melhor conto hoje, mas já pensei que fosse há anos, quando o escrevi. Tive que reescrever trechos dele e gostei do resultado, por isso está aqui hoje, pra vocês. Espero que o apreciem que nem eu.
PS: Milhares de agradecimentos à Ann, que o corrigiu pra mim, facilitando meu trabalho de edição!

Um estranho na porta

Deu um gole na bebida à sua frente e encarou os papéis. Um contrato quase vitalício. Quase, enquanto durasse a carreira dele e não pensasse em se aposentar. Isto é, se fossem deixar ele se aposentar. O empresário disse que era uma boa pra vida profissional dele ser contratado por uma empresa daquelas. Pura lorota, ele só devia ter recebido algum gordo cheque pra dizer isso. Emborcou o copo e esfregou os olhos, deitando a cabeça no encosto da cadeira. Havia entrado naquele ramo há apenas um mês e meio e já recebia esse tipo de proposta, aí tinha. E tinha muita coisa, mas ele não estava na melhor fase para pensar.
Em primeiro lugar, seu relacionamento naufragou mais rápido que o Titanic. Chegara perto de ficar noivo, não fosse a vaca ter desistido pra procurar o amigo dele, mas não que o amigo pedisse, só que ela o achava “mais bonito, gostoso e inteligente”. E rico claro, nada demais. Pra azar dela e pra alegria dele, pelo menos pra rir um pouco, o tal amigo era bem gay. Na realidade, gay em partes, porque já tivera algumas muitas mulheres na cama. Porém, já afirmara que preferia homens e tinha um caso de alguns meses com um modelo. Sim, era ótimo pra rir.
Em segundo lugar, a família. Seu pai andava nas piores lá no emprego dele e sua mãe não ‘tava muito bem de saúde. E seus irmãos, os quatro, passavam por situações que incomodavam mais ainda os pais. Precisava ajuda-los. Era o dever para com a família do jeitinho que foi educado. Mas nem pra isso ele prestava. Que miséria.
Em terceiro e último lugar vinha a substituta da namorada. Não que já tivesse outra, só que uma amiga voltara à cidade há algumas semanas e chamara a sua atenção. No entanto, ela era meio problemática e parecia trata-lo como irmão.
Tudo isso quase o impelia a aceitar a droga do contrato. No fundo, ele sabia que ia virar um ciborgue nas mãos dos poderosos. E a ideia não era tão desagradável olhando pelo ângulo dos ganhos.
“Deus, se você ta aí, me dá uma luz, caramba!” Pediu de olhos fechados, ainda recostado.
Sabe qual a ironia? Deus atende quando se pede com jeitinho. Nesse mesmo momento alguém bateu na porta.
Levantou com sofreguidão e dirigiu-se a dita cuja, com calma e sonolência. Encostou à porta e perguntou quem batia.
“É o assistente do seu empresário, ‘seu’ Pedro”.
Assistente? Agora o babaca andava com esse porte? Desistiu de pensar e abriu o trinco. Do lado de fora um guri bem arrumado, mas um pouco estranho, o encarava com olhos bem arregalados. Olhos meio familiares, na verdade.
“Vamos, Sr. Ferreira?” Perguntou ele, sorrindo de uma maneira engraçada.
“Vamos...? Onde?” Respondeu Pedro, um tanto assustado com o rapaz.
“Ao passeio que vai estabelecer sua vida...”.
...
Dez minutos depois, eles andavam pela rua geral, a passos curtos e sem vida. Pedro se sentiu perdido ali, andando ao lado daquele garoto que nem conhecia.
“Escuta, que história é essa de passeio que vai estabelecer minha vida?” Perguntou olhando pro chão, contado os passos e tentando juntar mentalmente em alguma ordem, uma mania de quando ficava nervoso que tinha desde moleque.
“Você não acreditaria se eu chegasse e dissesse, então é melhor eu nem tentar. Saiba apenas que não, não sou assistente do seu empresário e nem aceitaria ser. Eu sou um amigo, considere assim. Se eu tivesse dito a verdade você teria fechado a porta na minha cara. Eu sei, te conheço.”. Respondeu o rapaz também olhando pro chão. Aparentemente ele estava repetindo a mania do “amigo”.
“Escuta, em geral eu conheço meus amigos, e com certeza não conheço você. Além disso, nem sei porque estou andando com você.” Olhou pra frente e pensou bem nisso. Por que estava andando por ali com ele?
“Talvez eu te traga alguma segurança e você saiba que eu falo a verdade. E sinceramente, eu não te lembro nada não?” A esperança surgiu naqueles grandes olhos meio amarelados.
Pedro olhou para o guri vendo se ele já o conhecia. Cabelos castanho-escuros, quase pretos, rosto magrelo, os olhos já falados, a barba mal-feita. Havia sim algo de conhecido nele, só não sabia o quê. O silêncio brotou e o garoto baixou a cabeça, desconsolado.
“Esquece então, só me segue e me ouça. Acredite em mim”.
Andaram mais alguns passos e o rapaz parou para olhar em volta. Viu algo que chamou a sua atenção e começou a caminhar naquela direção. Quando Pedro o acompanhou, viu que se dirigiam ao parque. O que ele queria ver por ali, afinal?
“Ei! Qual sua intenção?” Perguntou, tentando caminhar ao lado dele.
“Se eu não me engano, você vem aqui ás vezes para relaxar”. Respondeu o garoto de costas pra ele procurando alguma coisa. Sorriu quando achou. “Mais precisamente ali”.
Pedro deixou o queixo cair quando o garoto descreveu com certeza uma mania dele. Aquele parque já propiciara a ele algumas boas crônicas em vários tipos de dia, mesmo os chuvosos. E isso porque, na beira do rio que o cortava, havia uma casinha abandonada que vivia aberta e onde ele podia se sentar, ouvindo alguma música que gostava e apreciando a vista.
“Olha... Se eu te conheço, desculpa por não lembrar”.Sentiu a boca secar. “Mas eu não lembro de ter contado a ninguém sobre esse lugar”.
“Contou para minha mãe”. Deixou escapar o rapaz e olhou meio choroso. “Papo pra outra hora, agora, senta aí que temos algo pra discutir”.
Pedro aceitou a idéia não porque se sentiu bem com ela, e sim porque quase caiu com a resposta dele.
“Eu sei a barra que você está passando e vim conversar contigo pra ver se te ajudo. Não vou dizer o que deve fazer, vou apenas sugerir opções. Quanto a sua família, tenha cuidado com o que decidir. Sério...” Duas ou três lágrimas rolaram dos olhos dele nessa hora e Pedro sem saber porque se sentiu meio triste também. “Cuide da sua mãe, não precisa ser só com dinheiro, dê um pouco de atenção a ela”.
“C-c-como você...” Pedro gaguejou.
“Eu só sei, ‘tá bem? Melhor não comentarmos isso”. Respondeu ele e mordeu o lábio inferior. Pedro sentiu que já vira alguém fazer isso, só não sabia quem.
“Certo...”.
“Sua mãe não vai ficar melhor se você apenas encher ela de remédios e começar a dar luxo. O dinheiro que você pode ganhar vai dar isso, e apenas isso. É necessário algo mais. Eu optaria em dar uns toques pro resto da família. Seus irmãos são meio egoístas, sabe? E você também. Estejam mais com ela, acho que é um remédio melhor. Teria ajudado a minha avó...” Ele fechou os olhos e soltou um riso meio sarcástico “Pena que ninguém pensou nisso naquela época”.
“Sei... Acredito... Mas o meu pai...” começou Pedro e calou-se diante do olhar do garoto.
“Seu pai tem os problemas que ele criou. Confie em mim, é melhor que ele afunde primeiro e depois seja ajudado a se erguer... Ele vai conseguir". O olhar dele passou de fúria a uma calma mais passiva.
“Compreendo...” Olhou pela janela, visualizando o rio. Conhecia de cor aquela vista.
“Cuide desse lugar. Talvez ele não se transforme no que muitos outros lugares se transformaram”. Comentou o garoto, olhando pela mesma janela.
“Em quê?” Perguntou Pedro curioso.
“Em um cemitério... Dos mais variados tipos”. Respondeu o garoto com certa raiva.
Pedro calou-se e o garoto se levantou. Seguiu ele pra fora do parque em direção ao norte da cidade. A “ala dos vagabundos”, como vivia repetindo seu empresário. Aquele imbecil tinha tanta grana que qualquer um que fosse menos que classe média era mendigo. E isso incluía os escritores sem contrato, como ele era há algum tempo.
“Sabe... Você merece algo melhor do que estão te oferecendo”.Soltou o guri de repente.
“Como o quê?” Perguntou Pedro meio que bêbado. À volta da imagem daquele nojento papel fizeram ele ficar meio cambaleante, meio “deprê”.
“Sei lá... Olha... Muitos escritores fizeram sucesso lançando seus trabalhos independentemente, sabe? Talvez se você procurasse alguma editora?” Sugeriu, com um ar misterioso.
“Você conhece alguma?” Perguntou Pedro desconfiado.
“Ah, conheço sim. Essa”.Tirou um cartão do bolso e entregou a ele.
Pedro pegou o cartão e olhou. Não conhecia a tal editora, porém, sentiu que podia confiar. Apesar disso, perguntou com uma coceira atrás da orelha.
“Você não tem nenhum vínculo com essa empresa não é?” Estreitou os olhos de uma maneira que fez o jovem rir.
“Como eu me lembrava... Sempre assim... Não, não. É só um amigo do meu pai. Ele vai te dar uma grande ajuda”. Respondeu, andando mais rápido.
“Sei. E devo anunciar que foi você que me indicou o lugar?”.
“Acho melhor não, ele pode achar estranho”. E suspirou com um ar serelepe.
Pedro olhou mais uma vez o cartão e gostou. Sorriu de verdade pela primeira vez nos últimos tempos.
“Você parece ter vindo na hora certa. Está resolvendo todos os meus problemas. Deixe-me adivinhar: Agora você vai me falar de amor”. Provocou, entrando no jogo.
“Certíssimo, capitão!” Provocou de volta o rapaz.
“E o que você me recomenda?” Perguntou Pedro olhando o céu.
“Antes, deixe-me conduzi-lo até ali”. Respondeu o rapaz, indicando uma velha cafeteria.
Ele conhecia bem o local. Era famoso por ser o point daquela região de vagamundos. Muitos escritores em crise ou prestes a entrarem em ascensão se encontravam ali. Entraram na cafeteria com certa apreensão. Havia uma mesa vaga no canto direito. Sentaram nela e pediram dois cafés. Pretos, com pouco açúcar. Muita coincidência.
“Então, afinal o que você vai me dizer?”.
“Que pressa, hein? Pra quem não acreditava muito em mim antes”. Brincou o rapaz, balançando a colherzinha. Tomou um grande gole e pousou a xícara, olhando pra ela. “Tipo, essa garota que te abandonou. Você ri dela agora, mas ainda assim, sente falta, não é?”.
Touché! Havia acertado em cheio. Fazia algumas semanas que ele fingia rir da situação. Mas quando sozinho, sentia uma dor estranha. Perdera muita coisa.
“Ainda assim, você tem outra pessoa em mente, não é?” Ele colocou mais força nessa pergunta.
Suspirou. Ele estava se tornando certeiro demais. Já estava suspeitando de algo havia alguns minutos, só não estragaria o jogo.
“Sim, eu estou me interessando por outra. Só que nós...” começou e não conseguiu terminar. A voz saiu embargada e ele quase chorou.
“Por incrível que pareça, eu entendo. Mas porquê não?” Insistiu o guri e Pedro não soube responder. Medo talvez. “Você acha que se arrependeria se desse certo?”.
“Nunca! Seria bom demais...” Chorava.
“Então...” O garoto apertou a mão dele e Pedro sentiu que sabia a verdade.
“É, você está certo...” Pedro aceitou o apoio e olhou direto nos olhos dele. Foi à vez do garoto engolir em seco. “Qual seu nome, afinal de contas?” Perguntou com toda a força que a voz lhe permitia.
O garoto sorriu.
“Meu nome é Hector, muito prazer”. Pedro sorriu também. Por um minuto ficaram sorrindo e então algo chamou a atenção dele. “Acho que é hora de ir, sua companhia chegou”. Levantou-se e se despediu de Pedro que ficou ali sentado surpreso.
Quando haviam entrado, Pedro acabou se sentando de costas para a porta e Hector de frente. Mas quando Hector se dirigiu à saída, Pedro pode ver quem entrara. Ali na porta, ELA estava de pé. Seus olhos se encontraram e ela caminhou até ele. Passou por Hector e nem o notou, mas ele a notou, parou e baixou a cabeça e Pedro soube que ele chorava. Uma última vez Hector olhou pra trás e sumiu pela porta. Foi o tempo de ela chegar até ele e disse as cinco palavras perfeitas.
“Oi. Posso me sentar aqui?”
...
Horas depois eles se dirigiam até o apartamento dela, de braços dados. Pedro se sentiu feliz como havia tempo não se sentia. Olhou para ela e riu. Riu muito, pra falar a verdade. Ela não entendeu, mas riu junto. Conversaram sobre muitas coisas, sobre o futuro deles.
“Ellen, queria saber... Que você acha de um dia casar e ter filhos?”
“Acho uma ideia legal, quero isso pra mim. Mas porque esse assunto agora?” Perguntou ela meio desconcertada.
“Só estava pensando... Que você acha do nome Hector?”.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Desentocando

Há alguns anos eu tentei publicar contos em outro lugar, no Nyah! Fanfiction, e entre fics e outros textos como um desafio feito por leitores de lá, acabei colocando alguns dos contos mais divertidos que escrevi, mas como papéis em uma gaveta, esqueci por lá. Hora de trazê-los de volta ao mundo. Quem quiser dar uma olhada, meu perfil no Nyah! é este. Alguns dos contos trarei pra cá, como este, que deve ter uns quatro ou cinco anos, acredito, e relendo eu penso que hoje escreveria diferente... Mesmo assim, gostei muito e espero que vocês também!

Aceita um Cigarro?


O ar estava ficando embaçado. O excesso de gás liberado pela enorme atividade da metrópole criava uma neblina escura e fedida acima dos prédios. Foi preciso utilizar uma mira para encontrar o alvo. Dois puxões no gatilho e pronto. Estava terminado o primeiro trabalho daquela noite.
– Você não sente remorso por isso não? - perguntou seu companheiro, entediado ao seu lado.
– E por que sentiria? É só mais um trabalho. - ele respondeu, desmontando os acessórios da arma que carregaria nas costas.
– Ora, é mais uma vida que você tira. Essa pessoa era importante para alguém. - ele respondeu. Não que realmente acreditasse nisso.
– Mas não para mim. É por isso que eu sou um atirador de elite, para não me envolver com ninguém. Sempre de longe.
– Isso é frio, cara.
– É preciso ser frio para sobreviver treze anos que nem eu. - e olhou o relógio preso ao bolso - Na realidade, catorze na semana que vem. Os trabalhos dessa noite vão me garantir isso.
– Catorze anos? Matando gente?
– É claro que não! Que tipo de animal irracional você acha que eu sou? Eu só mato há dez. Me esforço para que não seja preciso matar demais. Por isso que sou tão difícil de encontrar... Como seu chefe veio a descobrir. - ele sorriu, um sorriso de hiena. Engraçado e mortal.
– Sei...
O silêncio se instalou, enquanto eles percorriam a distância entre o local de onde ele havia atirado e onde estava seu carro. Por algum motivo o amigo com a arma não lhe passava mais confiança.
– Você disse que tinha mais trabalho essa noite? - ele perguntou, irrequieto.
– Para falar a verdade, só mais um, mas eu posso esperar antes de fazer. Não tenho pressa. Quer beber alguma coisa?
– Pode ser...
Os dois ficaram quietos mais uma vez e entraram no carro. Lá dentro a arma foi desmontada até caber em uma maleta. Ele carregaria a maleta pelo resto da noite.
– Eu... Posso saber seu nome de verdade? Afinal, Corvo não pode ser um nome. - ele tentou se aproximar do colega.
– Você primeiro, meu caro. - ele sorriu desafiador.
– Você deve saber. Eu sou Carlos Oliveira. - ele respondeu e algo no olhar de Corvo o fez se arrepiar.
– Meu sobrenome é Crow. Corvo em inglês, sabe? Daí vem o apelido. Meu nome é Gabriel.
– Gabriel Crow? Não é o nome daquele garoto...?
– Que quase morreu durante o treinamento há quinze anos? Sim... Eu fui o único a ficar perto da morte durante aquele mês. Ah, bons tempos. - e ele riu, um riso sem graça alguma, um riso que faria a própria Morte ficar preocupada.
Eles pararam em um bar um pouco depois. Gabriel entrou primeiro e pediu algo forte para beber. O garçom trouxe um concentrado de whisky e mais alguma besteira. Carlos bebeu apenas gim tônica.
– Você não tem estômago? - Carlos perguntou olhando Gabriel beber goles inteiros daquela gororoba.
– De jeito nenhum. Eu posso matar cinco em uma noite e transar, comer e beber como se fosse meu aniversário. Passei por coisas piores nesses catorze anos do que você passaria hoje, garoto. Coisas que me permitem aproveitar cada noite como se fossa a última. - e acrescentou ao ver a incredulidade do parceiro - E não ache que só falo da boca para fora não. Eu faço.
Gabriel começou a encarar o espelho a frente deles e seu rosto ficou sério. O tipo de seriedade que dá medo de ver você próprio demonstrar.
– Carlos, vem comigo. - ele disse, levantou e pagou as bebidas.
Seguiram para a porta lateral, saindo em uma ruela. Gabriel tirou um maço de cigarros do bolso e ofereceu à Carlos, que pegou um. O próprio Corvo acendeu o cigarro e virou o rosto para o céu, observando estrelas e lua.
– Me diz um negócio, garoto... Qual foi a sua maior burrada?
Carlos não respondeu. Ele estava muito nervoso.
– A minha, se você quiser saber, foi querer entrar nessa vida. Claro, eu tinha a escolha de morrer. Mas preferi viver e deixar que outros morressem por mim. Cada vez que mato me arrependo um pouco. Uso o pseudônimo de Corvo porque sou o mensageiro da Morte. Poucos me conhecem pessoalmente e vivem um dia a mais.
Oliveira caiu de joelhos, incapaz de olhar diretamente para o Corvo.
– Eu sei qual foi sua maior burrada, garoto. Foi acreditar que você fora enviado para me matar. Isso é meio que impossível para alguém com escrúpulos, como você. ELES me contrataram para eliminar você. Era o último que eles precisavam para dominar os negócios de seu tio. Sem você, não há mais herdeiros sanguíneos. Pelo menos nenhum que tenha idade para seguir com o império que seu tio estabeleceu. - ele tirou a pistola de dentro do terno. - Sinta-se feliz, eu gostei de você. Eu não fumo, mas cada um desses cigarros tem uma droga única que vai tirar toda a dor. Para falar a verdade, se eu deixasse você aí provavelmente morreria de qualquer forma. Como disse, gostei de você, então vou lhe fazer um favor.
Engatilhou a pistola. Não seria preciso mirar. Dois tiros, como os que mataram seu primeiro alvo aquela noite, e estava acabado. Chegaria aos catorze anos de profissão.
– Eu lhe falei: É só mais um trabalho.