quarta-feira, 20 de março de 2013

Boom

Voltando para a segunda semana, e novamente com um conto. Assim como o anterior, este foi feito que meio sob encomenda, para agradar alguém com personagens que eu estava desenvolvendo na época. O resultado foi um dos meus contos favoritos, com uma situação que gostaria de continuar algum dia em uma história maior. Mas por agora, fiquem com a alquimia que ocorre entre dois magos de péssimo temperamento.



Química Explosiva

Rolar química não é uma boa desculpa para relacionamentos. Entre Jonas e Vicky, por exemplo, sempre rolou química, e das mais explosivas. No primeiro encontro deles, o mecânico aqueceu um motor, enquanto ela fez esfriar o capô do carro até o pedaço de metal ser lançado pra fora. Na segunda vez, atiraram tanta coisa um em cima do outro que causaram combustão espontânea no meio do laboratório. Na terceira, foram parar em outra dimensão pela explosão de uma das salas de ritual. Logo, eram claramente o casal favorito das discussões no Torre de Merlin, o bar sensação da região norte. Ocasionalmente, quando apareciam no mesmo dia, era motivo para os amigos em comum planejarem os truques habituais. E não por menos, já que, entre trancos e barrancos, quando não tentavam se matar, conseguiam trocar certos flertes.
Na noite em questão, por exemplo, Jonas chegara bem cedo, para comemorar com Harlok sua conquista, um orbe que ele demorara meses para transformar em realidade, e que aparentemente seria capaz de modificar o campo da mágica quântica. O artefato, aliás, estava sobre a mesa do quarteto, depositado em uma almofada esverdeada e parecia não muito maior que uma bola de sinuca e um pouco mais inocente que um travesseiro de penas. Haviam bebido o terceiro drinque quando Victória Bridges entrou acompanhada da fiel escudeira Monike, vestindo o corpete mais obsceno que o grupo do Torre já havia visto, pelo menos em uma mulher do nível de Vicky. Suas curvas, geralmente escondidas por roupas largas, estavam completamente expostas naquele pedaço de couro vermelho-sangue apertado. Por um segundo, enquanto não reconheceu a mulher com quem sempre brigava, Jonas se permitiu secá-la como as fórmulas que tentava memorizar desde que roubara um livro de outro rival. Aí Harlok deu-lhe uma cotovelada, sussurrou um nome e o mago quase cuspiu a bebida que tomava.
Vicky passou pela mesa deles, ignorando os olhares de lobos famintos e sentou-se um pouco mais perto do balcão em que Archimedes, dono do bar, servia os clientes. Monike, por sua vez, não pode deixar de acenar para o magnífico Mikos, o famoso mago que adquirira o poder de mudar sua face para aquilo que as mulheres ao redor achassem mais atraentes. Assim que se sentou com Vicky foi repreendida, claro, mas até mesmo a fria maga, que nesta noite estava mais quente que um caldeirão aceso, teve que admitir que Mikos, talvez pela mágica, talvez não, tornara-se extremamente bonito nos trajes de gala que escohera. Sorrindo disfarçadamente, as amigas pediram os soft drinks de sempre e esperaram por qualquer coisa. O que, aliás, aconteceu.
Encorajado pela presença de mulheres, Eric, o mais baderneiro dos quatro, pediu os chopps que indicavam uma caçada. Harlok e Jonas olharam para ele, incrédulos, mas Mikos o apoiou confiante, praticamente esperançoso de que teria Monike para si. Incapazes de dialogar com o ego da dupla, desistiram, aceitando o forte preparado irlandês que o garçom McGuinness criara. Por dentro, Jonas até ansiava pela falha dos dois, para talvez ter uma brecha com Vicky. Naquelas roupas, com aquele sorriso nada corriqueiro, o perfume que talvez só ele tivesse sentido, a mulher que o infernizava dia sim e dia também se tornara o seu Graal. Parecia um encantamento raríssimo, pelo qual arriscaria tudo que já conquistara, somente para tê-lo, por um segundo que fosse, e apreciar a beleza do seu desenvolvimento.
Quando a sobriedade saiu do bar dando tchau a todos os presentes, Eric tentou a sorte, seguido por Mikos. Os dois levantaram da mesa que estavam, pediram sorte aos amigos e se lançaram para as pretensas presas da noite. Em segredo, Harlok fez uma aposta com Jonas que dobrou o valor ao ver o olhar assassino de Vicky. A loira, com o piercing brilhando dourado na boca vermelha, abriu um sorriso felino, aceitando a presença do inglês presunçoso ao seu lado, enquanto Monike se continha para não agarrar Mikos, que claramente exagerava na sua habilidade. O bar silenciou por alguns instantes com o olhar confuso do mago tecnopata. Compreendia muito bem máquinas, principalmente os seus carros, mas seria incapaz de determinar que tipo de plano maquiavélico a maga adoradora de animais tinha para Eric.
Através de um truque mágico simples, Harlok começou a ouvir a conversa a boca pequena dos casais na outra mesa.
- Então, Mikos... Eu soube que os gregos são...
- Hum, pequena, pode ser que sim, pode ser que não, por que não saímos para a MINHA torre e não descobrimos?
- Pelo jeito, as coisas estão esquentando com a sua amiga e Mikos... Por que nós não...
- Nem pense nisso, fã de Oliver Twist, ou eu arranco essa sua mão safada da minha perna com uma bola de fogo.
- Ah, mas por que... Você parecia tão a fim ainda há pou...
- Eu avisei.
Jonas foi mais rápido que Harlok e por isso não levou um inglês voador na cara. A mesa deles quebrou com o lançamento do mago abusado e o orbe foi ao chão. O mecânico manipulador de metais se levantou, irado, e já partiu pra cima de Vicky.
- Então é assim, faz de tudo só pra sacanear a festa dos outros, não, é?
- Claro! Tinha que ser o brutamonte viciado em computadores. Deixe-me adivinhar, é tudo uma brincadeira de vocês quatro só porque eu e Monike decidimos aproveitar uma noite em paz, estou certa?
Na verdade, os dois berravam ao mesmo tempo, assim que haviam levantado de suas mesas, e não ouviam o que o outro dizia. A volta deles, o mundo parara, enquanto evocavam feitiços de seus grimórios, que faziam a terra abrir sob seus pés ou retorcer a mesa sobre eles. E o orbe rolava pelo assoalho já danificado do Torre.
- Escuta aqui, ô mulher demônio... Acha divertido fazer o Eric de idiota só pra estragar a nossa noite?
- Na verdade, ela não... - protestava Eric, se reerguendo, mas foi plenamente deixado de lado.
- Típico de homens! Ele se assanha pra mim passa a mão na minha perna e eu que sou a vilã!
- Bom, Vicky, você veio pro bar para... - tentou dizer Monike, sendo interrompida pelo beijo intenso de Mikos.
- Se veste como uma vagabunda e ainda reclama? - berrou Jonas e se arrependeu assim que as palavras saíram de sua boca.
- O que você disse? - a voz saiu mais gélida do que Vicky esperava a raiva vazando pelos poros. Nas mãos, a bola de fogo começou a se formar.
- Não era bem o que eu queria...
- REPITA ISSO, PORCO CHAUVINISTA, SE TIVER CORAGEM! Logo você que DORME com um fusca!
Aquilo foi a gota d'água para Jonas. Poderiam falar o que quisessem, mas que não insinuassem NADA sobre seus carros. Suas mãos esfriaram instantaneamente e pequenos cristais de gelo apareceram em seus cabelos e barba. Harlok previu o pior. O orbe estava exatamente no caminho dos dois.
Como sempre, a explosão veio em seguida. Fogo e gelo se confrontaram, derrotando-se mutuamente e a energia que escapava roçou de leve no orbe, o suficiente para ativá-lo e criar a reação em cadeia que Harlok não queria que acontecesse até mostrar pro comitê como seu orbe recondutor era capaz de recriar qualquer energia que absorvesse, por quantas vezes tivesse potencial. Inerte desde a criação havia MUITO potencial acumulado. O Torre se desfez em uma imensa cratera que seria impossível de explicar aos vizinhos. Archimedes calculou o seguro secular, imaginando se cobriria clientes psicopatas e decidiu que talvez precisasse mudar de ramo. Harlok rastejava procurando pelo orbe, ou o que quer que tenha sobrado dele. Monike e Mikos utilizaram um pergaminho de fuga para ir se divertir no famoso loft do grego, que ele chamava de Monte Olimpo. Eric saíra de fininho, sabendo que no fim era tudo culpa dele e que seria melhor sumir por uns tempos, tirar umas férias, quem sabe visitar o Brasil. Já Jonas e Vicky, eles estavam no epicentro do desastre e praticamente foram teleportados para dentro da casa ao lado, tendo atravessado duas paredes bem sólidas. Não fosse o escudo, uma das muitas especialidades de Vicky, estariam em pedaços menores que os estilhaços das garrafas de McGuinness. Caído sobre a maga, Jonas pensou por um momento em como ela estava maravilhosa, mesmo com as roupas em frangalhos. Ela também admirou o olhar sério, empredado, do homem sobre si e cedeu à tentação. Agarraram-se por longos minutos, aproveitando a distração dos donos da casa com a nova piscina ao lado.
Soltaram-se sorrindo, cúmplices, sabendo a enorme besteira que haviam feito e que teriam muitas contas a pagar.
- Admita, Briggs, você estava louco por mim desde que entrei por aquela... É, porta.
- Ok, você estava muito bonita, mas... Precisava daquele exagero todo? Não poderia aceitar uma vez um convite e sentar na mesa com a gente?
- Ora, e qual graça teria?
Os encontros dos dois são sempre assim, envolvidos com explosões.

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